O Memória ABERT convida a todos à leitura deste artigo de Marcelo Bechara, diretor de Relações Institucionais da Globo e membro do Conselho Superior da ABERT, sobre o panorama da televisão atual.
“A televisão não vai conseguir se segurar no mercado por mais de seis meses. As pessoas logo vão se cansar de olhar para uma caixa de madeira todas as noites”, comentou o produtor de cinema e um dos fundadores da 20th Century Fox, Darryl Francis Zanuck, em 1946, justamente quando a novidade deu as caras.
No Brasil, quatro anos após essa declaração imprecisa, em 18 de setembro de 1950, nascia a PRF-3 de Assis Chateaubriand, ou melhor, a TV Tupi.
“Pois dir-se-á que ela hoje acena / Por uma altíssima antena / A cruz que Anchieta plantou”, cantou Lolita Rodrigues o Hino da Televisão Brasileira na sua inauguração comercial.
E lá se foram 70 anos de uma relação de amor com os telespectadores. Se eu pudesse resumir em uma palavra essa ferramenta de comunicação seria emoção. Emoção é o que nos conecta com o que sentimos. Por sete décadas choramos, torcemos, rimos, nos indignamos, aprendemos, celebramos e testemunhamos a história por uma janela privilegiada em nossas salas.
A evolução e a inovação nos formatos e tecnologias manteve atual o mais universal e democrático instrumento de acesso à informação. Começou analógica, em preto e branco, em VHF. Depois veio o UHF, a televisão em cores, o som estéreo e finalmente a digitalização.
Lembro daquele 30 de novembro de 2007, sentado na primeira fileira do evento em São Paulo que deu início às transmissões do sinal digital no Brasil, a TV 2.0. Naquele mesmo ano eu lancei meu primeiro livro “Radiodifusão e TV Digital no Direito Brasileiro”, em coautoria com Ricardo Capucio.
Passados 13 anos as televisões de plasma deram espaço para as de LCD, LED e QLED. O High-Definition de 2k dobrou para Ultra High Definition de 4k e caminha para os 8000 pixels de 8k. 3D, HDR, ambilights, telas curvas, bordas ultrafinas e tantas outras inovações mantiveram os televisores como protagonistas das salas das nossas casas. A evolução do áudio não ficou para trás com soundbars, surround atmos e 7.2.
Com a chegada das Smart TVs o futuro ficou mais claro. Televisão caminha para o IP e exibe em telas grandes conteúdos em aplicativos cada vez mais sofisticados. O zapear de canais evoluiu para rolagem de conteúdos sob demandas e troca de apps. Controles remotos servem de atalhos para serviços de streaming. O mercado de atenção aposta em grandes telas.
O ano de 2020 ficará marcado pela DTV Play ou TV 2.5 que apresenta uma importante evolução que aprimora a experiência do usuário e traz definitivamente os conceitos de UX para a televisão.
A televisão passa a ser híbrida, alternando do sinal digital de televisão terrestre (Broadcast TV Free-to-Air) para a transmissão por IP (Broadband Over Internet Protocol). Isso na prática significa que o DTV Play, nome comercial para os receptores do middleware brasileiro Ginga, permite que ao assistir a novela em Full HD em qualidade 2K com sinal capturado pelo ar identifique que seu equipamento com tecnologia 4K conectado tenha capacidade de banda e permita você assistir diretamente no Globoplay o capítulo da novela em UHD a um toque.
A televisão conectada congrega o melhor do conteúdo em massa, mas cada vez mais próxima do perfil de cada telespectador. O target advertisement, isto é, a publicidade direcionada vai possibilitar a personalização de conteúdos.
Deisy Fernanda Feitosa em artigo para a Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão (SET) disse “em poucas palavras, o sistema traz uma televisão mais imersiva e interativa em relação às experiências que temos tido até hoje.”
E por falar em imersão, o áudio imersivo é outra experiência digna de nota. Busca a tridimensionalidade. No dia 16 de setembro desse ano a TV Globo fez a primeira transmissão ao vivo com áudio imersivo da TV aberta no país, durante jogo do Campeonato Brasileiro. A experiência promoveu uma percepção de envolvimento em 360 graus. O telespectador foi transportado para o som do estádio, como se lá estivesse. Cada vez mais, na busca pelo teletransporte para dentro da experiência. Com tecnologias de realidade aumentada e virtual não é difícil imaginar o que nos espera.
Mas, assim como a telefonia móvel já se consolida no 5G com promessas de baixa latência e a internet de tudo, a televisão já mira o futuro com a TV 3.0 ou Next Generation TV. No mês passado o Fórum SBTVD (Sistema Brasileiro de TV Digital) abriu chamada pública de propostas sobre o tema. A próxima geração tornará absolutamente integrado Broadband e Broadcast com foco na experiência do usuário, com mais customização, personalização, interatividade, ofertas lineares e não lineares que, com mais dados entregará aos telespectadores uma publicidade direcionada tal qual a internet de hoje.
A TV 3.0 viabilizará a recepção pelo ar de conteúdos com qualidade de 4K e talvez 8K. A mobilidade e a portabilidade que já são características do SBTVD desde 2006 ganharão novo impulso. Projetada para reunir o conteúdo Over-the-Air com o Over-the-Top sofisticará a atuação histórica da radiodifusão sempre presente em situações de alertas e emergências, contudo, em modo avançado.
Ao contrário da bela canção/poesia soul music de Gil Scott-Heron “The Revolution Will Not Be Televised”, a revolução da própria televisão livre, aberta e gratuita será televisionada em horário nobre, mas agora governada pelo que as pessoas querem. “TV é que você quiser”, definiu Leonardo Chaves do Fórum Brasileiro de TV Digital em evento da SET Sul de 2019.
Em uma frase pouco feliz, Ken Olson, presidente e fundador da Digital Equipment Corp afirmou em 1977 que não havia “nenhuma razão para alguém querer um computador em casa”. Em 1995, no começo da internet comercial, Robert Metcalfe, fundador da 3Com previu que “a internet iria crescer como uma supernova e então, em 1996, sofrer um colapso catastrófico.” Mas se tem uma frase verdadeiramente infeliz veio justamente do oficial do escritório de patentes dos EUA, Charles H. Duell, em 1899, quando afirmou que “tudo que podia ser inventado já foi inventado.” Charles, Ken, Metcalfe e Darryl ficariam surpresos ao descobrir que a sempre jovem septuagenária caixa de madeira evoluiu para um computador em casa e permanentemente conectado na internet e às nossas emoções. Sempre inventando e se reinventando. Uma janela permanente aberta para o futuro.
Pioneiros como Walter Clark deixaram algumas marcas registradas que aparecem ate hoje na identidade da televisao brasileira. Gabriel Priolli destaca duas: a capacidade de improvisacao e a criatividade. “Nos outros paises, e tudo muito dentro de um padrao. Aqui, a televisao nasceu no improviso”, conta o escritor Como produto, Gabriel destaca uma verdadeira paixao nacional: “Ninguem faz telenovelas como o Brasil — fazemos o popular quando queremos e o elitista quando queremos”.